“Pode parecer assustador, mas as evidências científicas indicam que se não forem tomadas medidas drásticas nos próximos dez anos, podemos enfrentar um dano irreversível do mundo natural e o colapso de nossas sociedades.”

O célebre naturalista britânico David Attenborough resumiu assim as ameaças decorrentes do aquecimento global em um recente documentário da BBC, Mudança Climática: os Fatos.

As mudanças climáticas estão em “tempo real diante de nossos olhos”, afirma Michael Mann, professor da Universidade Estadual da Pensilvânia e um dos cientistas do clima mais respeitados do mundo.

Mann cita como exemplos desta realidade dos nossos tempos a intensificação das chuvas, uma maior frequência de furacões e ondas de calor devastadoras.

A BBC selecionou 15 perguntas e respostas a fim de esclarecer pontos importantes do debate atual.

1. O que são as mudanças climáticas?
O termo mudança climática é mais amplo do que aquecimento global, que se refere apenas ao aumento da temperatura.

O que se chama de mudanças climáticas inclui temperatura, intensidade das chuvas e eventos climáticos extremos, como furacões e ondas de calor.

O clima do planeta muda constantemente ao longo do tempo. A temperatura média global atualmente é de 15ºC, e evidências geológicas indicam que ela já foi bem mais alta e bem mais baixa no passado.

No entanto, o período atual de aquecimento está ocorrendo mais rápido do que no passado. Cientistas temem que as flutuações naturais no clima têm sido superadas por um aquecimento rápido induzido pelo homem com sérias implicações para a estabilidade climática do planeta.

Não há mais dúvida de que essas mudanças são devidas em grande parte à atividade humana, especificamente à emissão na atmosfera de grandes quantidades de gases do efeito estufa, como CO² e metano.

2. O que é o efeito estufa?
Esse fenômeno se refere à maneira com que a atmosfera da Terra retém parte da energia do sol. A energia solar que reflete na superfície terrestre em direção ao espaço é absorvida pelos gases do efeito estufa e reemitida em todas as direções.

Ela passa então a aquecer tanto zonas mais baixas da atmosfera quanto a superfície terrestre. Sem esse efeito, a Terra seria quase 30ºC mais fria, tornando o planeta hostil à vida.

Cientistas afirmam que o homem está acrescentando ao efeito estufa natural gases resultantes da indústria e da agricultura (chamados também de emissões), levando a uma retenção maior da energia solar e aumentando a temperatura do planeta. Isso é o que costuma se chamar hoje de aquecimento global.

O mais importante dos gases do efeito estufa, em termos de impacto no aquecimento, é o vapor d’água, mas suas concentrações apresentam mudanças pequenas que persistem na atmosfera apenas por alguns dias.

O gás carbônico (CO₂), no entanto, persiste por muito mais tempo (levaria séculos para retornarmos aos níveis pré-industriais). Além disso, apenas uma parte do CO₂ pode ser absorvido por reservatórios naturais como os oceanos.

A maioria das emissões humanas de gás carbônico são oriundas da queima de combustíveis fósseis. Quando florestas capazes de absorver CO₂ são derrubadas por madeireiras ou queimadas para serem transformadas em pasto, o carbono aprisionado ali também volta à atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.

Outros gases do efeito estufa, como o metano, também são emitidos em atividades humanas, mas a concentração deles é pequena em comparação à do dióxido de carbono.

Desde o início da revolução industrial, em torno de 1750, os níveis de CO₂ aumentaram mais de 30% e os de metano, mais de 140%. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera é hoje a mais alta em 800 mil anos, pelo menos.

3. Quais são as evidências do aquecimento global?
Registros de temperaturas desde o século 19 mostram que a temperatura média da superfície da Terra cresceu 0,8ºC nos últimos cem anos. Quase 0,6ºC desse total ocorreu nas últimas três décadas.

Os 20 anos mais quentes já registrados ocorreram nos últimos 22 anos, liderados pelo período entre 2015 e 2018.

Ao redor do planeta, o nível médio do mar cresceu 3,6 mm por ano entre 2005 e 2015. A maior parte dessa mudança ocorre em razão da expansão térmica da água do mar. Com o aumento da temperatura dela, as moléculas se tornam menos densas, levando ao aumento do volume do oceano.

Mas a redução da massa de gelo nos polos tem sido considerada o principal fator nessa tendência. A maioria das geleiras em regiões temperadas do mundo e ao longo da península da Antártida está diminuindo.

Desde 1979, imagens de satélite mostram um declínio dramático na extensão de gelo no Ártico, a uma velocidade de 4% por década. Em 2012, essa faixa atingiu seu patamar mais baixo, que é 50% menor que a média entre 1979 e 2000.

A camada de gelo na Groenlândia tem passado por um derretimento recorde nos últimos anos. Se todo esse gelo derreter, elevaria os níveis do mar em 6 metros.

Dados de satélite mostram que a camada de gelo oeste da Antártida também está perdendo massa, e um estudo recente indicou que o lado leste da região, que não tem apresentado qualquer tendência de aquecimento ou resfriamento, pode ter começado a perder massa nos últimos anos.

Mas cientistas não esperam mudanças drásticas. Em alguns lugares, a massa pode inclusive crescer, já que o aumento da temperatura pode levar à produção de mais neve.

Os efeitos das mudanças climáticas também podem ser vistos na vegetação e nos pastos. Eles incluem mudanças nos ciclos de vida das plantas, como uma floração antecipada, e alterações nos territórios ocupados por animais.

4. Quanto as temperaturas vão subir no futuro?
Em uma ampla análise científica de 2013, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) previu uma série de cenários baseados na modelagem computacional. A maioria das simulações indica que a temperatura na superfície terrestre deve subir 1,5ºC até o fim do século 21, em relação a 1850.

A Organização Meteorológica Mundial afirma que, caso a atual tendência de aquecimento se mantenha, as temperaturas podem subir de 3ºC a 5ºC até o fim do século.

Um patamar de 2ºC tem sido considerado, há muito tempo, como a porta de entrada para um cenário mais perigoso. Recentemente, cientistas e formuladores de políticas públicas reviram a cifra e afirmaram que o aumento da temperatura não deveria passar de 1,5ºC.

Ainda assim, um relatório do IPCC publicado em 2018 mostra que mesmo a meta de 1,5ºC exigiria “mudanças rápidas, amplas e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade”.

Mesmo com a redução drástica das emissões de gases que agravam o efeito estufa, cientistas afirmam que levaria décadas para retirá-los da atmosfera e por isso o impacto no clima continuaria por anos sobre grandes volumes de água e gelo.

5. Como a mudança do clima vai nos afetar?
Há vários graus de incerteza sobre o tamanho do impacto do aquecimento global. Mas as mudanças decorrentes dele podem levar à escassez de água doce, a uma transformação radical da capacidade global de produzir alimentos, além do aumento de mortes por inundações, tempestades, ondas de calor e seca.

Isso ocorreria porque estima-se que as mudanças climáticas devem aumentar a frequência de eventos climáticos extremos, ainda que seja muito difícil associar qualquer evento isolado ao aquecimento do planeta como um todo.

Cientistas preveem mais chuvas em geral, mas apontam um risco maior de seca em regiões afastadas do litoral. Tempestades e aumento do nível do mar devem levar também a mais inundações. Haveria, no entanto, alta variação desses fenômenos ao longo das regiões.

Países mais pobres, que são menos preparados e equipados para lidar com mudanças bruscas, podem sofrer mais com as transformações.

Há previsões também de extinção de animais e plantas incapazes de se adaptar à mudança rápida do habitat, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a saúde de milhões de pessoas pode ser ameaçada pelo avanço da malária, de doenças transmitidas pela água e da desnutrição.

Com o aumento do CO₂ emitido na atmosfera, há um avanço da captura desse gás pelos oceanos, o que torna a água mais ácida. Esse processo contínuo pode representar grandes problemas para os recifes de coral do mundo, pois as mudanças na química impedem que os corais formem um esqueleto calcificado, essencial para sua sobrevivência.

Modelos gerados por computador são usados nos estudos das dinâmicas do clima terrestre e levam a projeções sobre mudanças de temperatura.

Esses cenários variam em torno da “sensibilidade climática”, a exemplo do peso de cada elemento (como o CO₂) no aquecimento ou no resfriamento. E mostram diferenças no modo com que esses “feedbacks climáticos” podem ocorrer.

O aquecimento global causará algumas mudanças que provavelmente levarão a mais aquecimento, como a liberação de grandes quantidades de metano dos gases de efeito estufa à medida que derrete o permafrost (solo permanentemente congelado encontrado principalmente no Ártico). Isso é conhecido como feedback positivo sobre o clima.

Mas feedbacks negativos podem compensar o aquecimento. Vários “reservatórios” na Terra absorvem CO₂ como parte do ciclo do carbono – o processo pelo qual o carbono é trocado entre, por exemplo, os oceanos e a terra.

A questão é: como eles vão se equilibrar?

6. Que países são os maiores emissores de gases do efeito estufa?
Os países que emitem mais gases de efeito estufa são, de longe, a China e os EUA. Juntos, eles são responsáveis por mais de 40% do total global de emissões, de acordo com dados de 2017 do Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia e da Agência Holandesa de Avaliação Ambiental (PBL).

A política ambiental dos EUA mudou sob o governo de Donald Trump, que adotou uma agenda pró-combustíveis fósseis.

Depois de tomar posse, o presidente americano anunciou a retirada do país do Acordo de Paris, referente à mitigação das mudanças climáticas.

Na ocasião, Trump disse que queria negociar um novo acordo “justo” que não prejudicasse as empresas e trabalhadores americanos.

7. Quais são as maiores companhias poluidoras do mundo?
Um estudo do instituto de pesquisas Climate Accountability Institute, com sede nos Estados Unidos, diz que um grupo de 20 empresas é responsável por mais de um terço das emissões de gases causadores do efeito estufa em todo o mundo desde 1965. A estatal brasileira Petrobras aparece na lista, na 20ª posição.

Segundo a análise, as 20 empresas produtoras de petróleo, gás natural e carvão foram responsáveis por 480,16 bilhões de toneladas de dióxido de carbono e metano liberados na atmosfera nesse período.

O montante representa 35% das emissões totais de combustíveis fósseis e cimento, que foram de 1,35 trilhão de toneladas.

Esse cálculo é baseado na produção anual de petróleo, gás natural e carvão relatada pelas empresas, e leva em conta as emissões desde a extração até o uso final do combustível.

A Petrobras disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que tem buscado aplicar em suas operações “tecnologias que têm como consequência direta a redução da intensidade de carbono, com resultados significativos já alcançados”.

Segundo comunicado da empresa, “desde 2008, já foram reinjetadas 9,8 milhões de toneladas de CO2 dos campos de pré-sal na Bacia de Santos”, e até 2025, “a companhia projeta reinjetar cerca de 40 milhões de toneladas de CO₂”.

No processo de reinjeção, o CO₂ é separado do petróleo e do gás extraído do poço e reinjetado de volta, aumentando também a pressão interna — o que acaba por induzir uma produção maior.

8. Qual é o impacto econômico das mudanças climáticas?
No último século, as mudanças climáticas aumentaram a desigualdade entre as nações, puxando para baixo o crescimento econômico dos países mais pobres e aumentando a prosperidade de alguns dos países mais ricos do planeta, aponta um estudo da Universidade Stanford, na Califórnia.

Segundo pesquisadores, o Brasil teria tido um crescimento 25% maior se não fossem os efeitos do aquecimento global.

“Os dados históricos mostram claramente que as plantações são mais produtivas, e as pessoas são mais saudáveis e mais produtivas no trabalho quando as temperaturas não são nem tão quentes nem tão frias”, explica um dos autores da pesquisa, Marshal Burke, do Earth System Science, de Stanford.

De acordo com a pesquisa, entre 1961 e 2010, todos os 18 países com emissões históricas que totalizam menos de 10 toneladas de dióxido de carbono per capita foram impactados negativamente pelo aquecimento global. Eles tiveram, em média, uma redução de 27% no PIB per capita comparado a um cenário sem alta nas temperaturas.

Por outro lado, 14 dos 19 países cujas emissões ultrapassam 300 toneladas de dióxido de carbono per capita se beneficiaram do aquecimento global, tendo um crescimento médio adicional de 13% no PIB.

9. O aquecimento global causa eventos climáticos extremos?
Fenômenos climáticos se intensificaram em relação à média dos anos anteriores.

As ondas de calor que atingiram a Europa em 2018 foram duas vezes mais prováveis ​​devido ao aquecimento global, de acordo com o consórcio World Weather Attribution (WWA).

O aumento da temperatura na atmosfera e nos oceanos também está tornando furacões e tempestades mais intensos.

“Podemos ver os traços das mudanças climáticas em todos os eventos extremos”, diz o cientista holandês Geert Jan van Oldenborgh, membro da WWA.

É muito difícil provar que um evento específico foi “causado” pelas mudanças climáticas.

Mas para o professor Michael Mann, da Universidade Estadual da Pensilvânia, perguntar se a mudança climática “causa” um evento específico é fazer a pergunta errada.

“A questão relevante é a seguinte: as mudanças climáticas afetam esses eventos e os tornam mais extremos? E podemos dizer com bastante confiança que a resposta é positiva”.

10. Quais são os impactos dessas mudanças nos oceanos?
Os oceanos absorvem quase um terço das emissões de CO₂.

Mas esse processo tem trazido um grande efeito indesejado – a diminuição do pH da água, tornando-a mais ácida.

A chamada acidificação das águas oceânicas abala a fixação do carbonato de cálcio em conchas, ouriços do mar, ostras e outras espécies, causando o declínio de grupos sensíveis (a exemplo das estrelas do mar) e colocando em risco ecossistemas marinhos, como os recifes de coral. Estes são vitais à pesca por funcionarem como “berços” para peixes.

Desse modo, o risco à descalcificação coloca toda a cadeia alimentar em perigo.

11. As ondas de frio contradizem os indícios de aquecimento global?
O clima é um panorama mais prolongado e completo dos padrões de tempo. Ele se refere às condições que prevalecem em uma região ou em toda a Terra, e pode ser estudado com uma análise das tendências históricas.

Quando falam em clima, os cientistas estão se referindo à situação do planeta todo, ao longo do tempo. Ou seja, mesmo que esteja fazendo mais frio que a média em uma região específica, o mundo como um todo está, na média, mais quente – é isso que apontam centenas de estudos feitos por cientistas no mundo todo ao longo de décadas.

Esse aquecimento da temperatura média da Terra – que cientistas creditam aos gases de efeitos estufa produzidos por ação humana – provoca eventos climáticos extremos, desde inundações na África até seca no Brasil, passando por invernos muito mais rigorosos na América do Norte.

Em sua página na internet voltada para crianças, a Agência Espacial Americana (Nasa) explica que devemos esperar tempos frios mesmo que as temperaturas do planeta estejam aumentando de forma geral.

“O caminho até um mundo mais quente terá muitos episódios de tempos extremamente quentes e extremamente frios”, diz o site da agência.

Isso porque as mudanças climáticas incluem alterações na forma como correntes marítimas, correntes de vento e outros fenômenos meteorológicos funcionam ao redor do mundo, gerando eventos meteorológicos extremos – tanto de frio quanto de calor.

12. O que é pegada de carbono?
Trata-se da quantidade de carbono emitida por um indivíduo ou uma organização por um período determinado, ou emitida durante o processo de fabricação de um produto.

Recentemente, a jovem ativista sueca Greta Thunberg realizou um giro pela Europa de trem para levar sua mensagem sobre a urgência de se enfrentar o que descreveu como a “crise existencial” das mudanças climáticas.

Thunberg se recusou a viajar de avião sob o argumento de que queria reduzir sua pegada de carbono. Estima-se que, em uma viagem de trem, uma pessoa gera 15g de CO₂ por km. De avião, são 100g por km.

13. E neutralidade de carbono?
É um processo no qual as emissões de CO₂ são equivalentes a zero.

A Costa Rica anunciou recentemente seus planos de atingir o “carbono zero” até 2050. Isso não significa, no entanto, que o país não emitirá gases do efeito estufa.

Quando se fala de emissões líquidas equivalentes a zero, isso significa que o CO₂ lançado na atmosfera deve ser compensado pela absorção do carbono por outros métodos, com o plantio de florestas.

14. A tecnologia pode ser usada para reverter ou frear esse processo?
A geoengenharia é a área da tecnologia que poderia ser usada para deter ou mesmo reverter o aquecimento global. Entre os mecanismos estão, por exemplo, a captura do CO₂ da atmosfera e seu armazenamento de forma subterrânea.

Há também tentativas como o lançamento de para-sóis para refletir a luz solar ou mesmo espelhos gigantes com o mesmo fim.

Alguns cientistas alertam, no entanto, que estes itens são tecnologias de eficácia pouco comprovada.

Outros afirmam que a geoengenharia será necessária ante a falta de medidas drásticas para reduzir as emissões de CO₂.

15. Há um ponto em que a situação não terá mais volta?
Os chamados mecanismos de retroalimentação podem ser positivos (aumentam o ritmo do aquecimento) ou negativos (desacelerando o processo).

Um dos exemplos mais fortes de retroalimentação positiva é a chamada “Amplificação Ártica”, que explica por que as temperaturas têm, em média, aumentado mais no Ártico do que no resto do planeta.

O gelo reflete a luz do sol, mas ao derreter surge o oceano escuro, que absorve essa radiação, esquenta e faz com que mais gelo derreta.

Tendo em vista esses mecanismos de retroalimentação, há o que se chama de “ponto sem retorno”, ou seja, as mudanças climáticas ultrapassam o nível limítrofe em que será muito mais difícil detê-las ou revertê-las.

Em outras palavras, o processo se agravaria por sua própria dinâmica interna, independente das ações que possam ser tomadas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa.

Fonte: BBC Brasil

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