Durante meses, a pesquisadora Hannah Davis não conseguia dirigir, nem permanecer concentrada diante de uma tela. Apresentando sintomas persistentes de covid-19, esta nova-iorquina lançou, juntamente com outros colegas em situação parecida, um estudo sobre os “pacientes de longa duração”.
Hannhah, de 32 anos, especialista em “machine learning” e Inteligência Artificial, faz parte de um movimento internacional de pacientes que se reuniram em redes sociais e que defendem o reconhecimento como “pacientes de longo prazo da covid-19” (“Long Covid”, em inglês).
O novo coronavírus, que matou pelo menos 1,4 milhão de pessoas em todo mundo, pode, de fato, causar sintomas persistentes em adultos saudáveis antes de adoecerem.
“Para um número significativo de pessoas, esse vírus causa uma série de efeitos graves no longo prazo”, disse o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em outubro, listando fadiga, sintomas neurológicos e inflamatórios, além de problemas cardíacos e pulmonares.
“Garrafa ao mar”
Desde o início da pandemia, milhares de pacientes começaram a escrever uma espécie de diário de sua covid sem fim nas redes sociais, para tentar entender por que não se curavam.
À época, havia-se estabelecido que a forma moderada da doença desaparecia após cerca de duas semanas, principalmente os sintomas respiratórios.
Para Hannah, o “dia 1” foi 25 de março, quando ela teve dificuldade em entender uma mensagem enviada por SMS por um amigo. Depois, teve febre. Após confirmar que era covid-19, achou, erroneamente, que ficaria boa rápido.
Em abril, com o agravamento dos sintomas neurológicos, ela descobriu um grupo de apoio on-line criado pelo coletivo feminista “Body Politic”, que recebeu depoimentos de todo mundo.
Hannhah Davis então se associou com outras pesquisadoras para lançar o estudo “Patient-led Research for Covid-19” (“Pesquisa sobre covid-19 conduzida por paciente”).
As 640 respostas coletadas em tempo recorde – principalmente entre mulheres americanas – apontaram para fadiga e confusão mental, que ainda não foram listadas como sintomas oficialmente reconhecidos de covid-19.
A londrina Ondine Sherwood estava sofrendo de exaustão, desmaios após esforços e problemas digestivos quando descobriu Body Politic e ficou “surpresa” ao ver que não estava, de forma alguma, sozinha.
Com outras integrantes britânicas do grupo, Sherwood formou sua própria organização, a “Long Covid SOS”, para chamar a atenção de seu governo. Sua intenção era se manifestar diante do Parlamento em uma cadeira de rodas, mas o confinamento a impediu de fazê-lo.
O grupo fez e postou um vídeo com depoimentos, intitulado “Garrafa ao mar”. A OMS viu a gravação e encarregou a organização de reunir pacientes para uma reunião em agosto. Nele, Hannah Davis apresentou o estudo do grupo Body Politic.
“Recuperar energia”
Desde então, a OMS lançou um apelo aos governos para que reconheçam esta condição e lancem novas pesquisas a esse respeito. Mesmo assim, muitos pacientes ainda precisam se mobilizar para serem levados a sério.
Pauline Oustric representou grupos de pacientes de França, Espanha, Itália e Finlândia na reunião da OMS, na qual ela defendeu maior reconhecimento e atenção médica.
Essa francesa de 27 anos, pós-graduanda na Universidade inglesa de Leeds, adoeceu em março. Durante meses, lutou para obter ajuda das autoridades sanitárias, que lhe disseram que não fazia parte dos grupos de risco. Finalmente, voltou para a França, em uma cadeira de rodas.
Junto com outros pacientes, Oustric criou então criou a associação “aprèsJ20” (“depois do dia 20”).
No único serviço especializado de consulta para pacientes de longa duração na França, um médico a diagnosticou com disautonomia, uma disfunção do sistema nervoso autônomo. Ela voltou para a casa de seus pais e consegue trabalhar em sua tese apenas por períodos de 30 minutos.
“Não consigo fazer nenhuma atividade física, levantar objetos, sinto dores o dia todo, tomo muitos remédios”, descreve. “Minha vida é caótica. Espero recuperar minha energia”, completou.
“Tabu”
Na Itália, um médico aconselhou Morena Colombi a consultar um psiquiatra por causa de seus sintomas. Essa mulher de 59 anos decidiu criar o grupo no Facebook “Nós que vencemos a covid”, que hoje conta com 10.000 membros. “Não me sinto mais sozinha, ou que estou louca”, disse ela à AFP.
Juno Simorangkir fundou o grupo “Covid Survivor Indonesia”, após receber o apoio do Body Politic.
Na Indonésia, a covid-19 é um “tabu”, afirma, e os pacientes que sofrem de sintomas persistentes são recebidos com ceticismo por parte dos médicos, por seus chefes e até mesmo por suas famílias. A falta de dados generalizados sobre este fenômeno dificulta a mobilização desses pacientes.
De acordo com uma pesquisa publicada em julho pelas autoridades de saúde dos Estados Unidos, 35% dos adultos com sintomas não se curaram entre duas e três semanas após terem testado positivo para o coronavírus.
Um estudo do Desert Research Institute (Estados Unidos), ainda não revisado por pesquisadores independentes, concluiu que cerca de 25% dos casos confirmados ainda apresentam pelo menos um sintoma após 90 dias.
O diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos saudou o trabalho de “cientistas cidadãos” realizado por Hannah Davis e seus colegas, que já coletou quase 5.000 participações de 72 países.
Os sintomas persistentes frequentes incluem problemas respiratórios, perda de memória, dificuldade para se concentrar e “dirigir, cuidar de seus filhos e trabalhar”, de acordo com Davis.
Muitos pacientes também sofrem de desmaios após o esforço, assim como a síndrome da fadiga crônica, mas a pesquisa ainda não determinou se o vínculo é pertinente, acrescentou.
Fonte: Carta Capital