Coletivos de mulheres de Alagoas, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul foram os vencedores da primeira edição do Prêmio Mulheres Rurais – Espanha Reconhece. O objetivo do concurso é dar destaque às experiências que incentivem a autonomia econômica das mulheres rurais para promover a igualdade de gênero, aumentar a visibilidade delas e valorizar a diversidade como matriz do desenvolvimento econômico, social e cultural.
O Prêmio é promovido pela Embaixada da Espanha em parceria com a representação brasileira do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a ONU Mulheres. As vencedoras receberam valores destinados a melhorar os seus empreendimentos. O primeiro lugar recebeu R$ 20 mil, o segundo, R$ 10 mil e o terceiro, R$ 5 mil. Além dos recursos financeiros, a premiação inclui assessoria para os negócios, capacitação e equipamentos.
Lançado em outubro do ano passado no Brasil, no marco do Dia Internacional das Mulheres Rurais (15/10), o prêmio recebeu 482 inscrições de coletivos de mulheres que trabalham pela autonomia econômica das produtoras. Foram inscritos projetos de agricultoras, pescadoras, indígenas, quilombolas e extrativistas de todos os estados brasileiros, principalmente dos estados do nordeste, que têm grande parte do território inserido no semiárido, que concentra elevados índices de pobreza rural.
Contexto – As mulheres produzem cerca da metade dos alimentos e representam 43% da mão de obra agrícola, mas ainda têm seu papel e importância negligenciados e estão fora dos principais espaços de decisão. No geral, as mulheres no campo também têm mais dificuldade de acesso à terra, ao crédito e a cadeias de alto valor, essenciais para sua subsistência e para o bem-estar das comunidades.
Trabalhar pela igualdade entre mulheres e homens no campo, reconhecendo o papel delas como beneficiárias e agentes para o desenvolvimento sustentável, é fundamental para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
“A Covid 19 mostrou que as crises são sofridas com particular incidência pelos grupos mais desfavorecidos, como mulheres e meninas. Quero destacar o compromisso da Espanha nesta área. Somente a liderança feminina e a participação das mulheres em igualdade de condições na vida política, econômica e social alcançarão a verdadeira transformação de nossos países. Não devemos esquecer que feminismo, paz e justiça social são inseparáveis”, disse o embaixador da Espanha no Brasil, Fernando Garcia Casas. “A maior semente transformadora do campo é a igualdade”, completou.
Em sua fala, a representante da ONU Mulheres no Brasil, Anastasia Divinskaya, chamou a atenção para a falta de reconhecimento ao trabalho das trabalhadoras do campo. “É imprescindível que se invista na autonomia econômica das mulheres rurais, de forma a promover o trabalho decente e o acesso equitativo a recursos, bem como proteção de seus direitos ao incentivar sua liderança e participação na construção de leis e políticas que afetam as suas vidas”, comentou.
“As mulheres rurais têm um papel central para a agricultura mundial e ainda sim possuem acesso limitado a terras, água e renda, o que é uma violação dos seus direitos humanos básicos. Isso é consequência da falta de reconhecimento do trabalho, muitas vezes não remunerado, desempenhado por essas mulheres, o que leva a sua invisibilização e desvalorização” afirmou a representante da ONU Mulheres.
Valorização – “Na América Latina, estima-se que cerca de 40% das mulheres que vivem no campo não têm renda própria. No caso dos homens, são 14% nesta situação. Além disso, menos de um terço das mulheres rurais possuem a titularidade da terra em que elas moram. Outro desafio que temos que superar é a ausência de reconhecimento ao trabalho realizado pelas mulheres”, disse o representante do IICA no Brasil, Gabriel Delgado.
A premiação acontece em um momento chave para a recuperação pós-COVID-19. Segundo a FAO, os efeitos da pandemia incidiram de maneira desproporcional na capacidade produtiva, reprodutiva e de geração de renda das mulheres rurais, porque tende a reduzir suas oportunidades econômicas e acesso a alimentos nutritivos, ao mesmo tempo em que aumenta sua carga de trabalho e intensifica a violência de gênero.
“Fortalecer a liderança feminina no campo e desenvolver ações afirmativas é chave para um mundo pós-pandemia com maior promoção da autonomia econômica, eliminação da pobreza, aumento da produtividade, igualdade de acesso aos mercados e maior segurança alimentar e nutricional. Só assim seremos capazes de transformar verdadeiramente nossos sistemas agroalimentares”, explicou o representante adjunto da FAO no Brasil, Gustavo Chianca.
Coletivos vencedores
1º Lugar – Mulheres em Ação de Jequiá da Praia (Jequiá da Praia/AL)
O grupo formado por 50 mulheres articula um empreendimento sustentável voltado para a melhoria da qualidade de vida de pescadoras, marisqueiras e artesãs nas comunidades ribeirinhas. Uma de suas atividades é o reaproveitamento do resíduo do siri, que promove a segurança alimentar e tornou-se fonte de renda e referência no município. O projeto também contribui para despoluir a lagoa de Jequiá por meio da coleta dos resíduos. “Ainda não estou acreditando que ganhamos esse prêmio”, confessou Eliane Faria de Souza, de 41 anos. Ela conta que soube do concurso em um grupo de que participa no WhatsApp. “Assim que soubemos que tiramos o primeiro lugar, juntamos 40 mulheres da comunidade”, contou Josineide Pereira, 42 anos, ambas produtoras rurais do projeto vencedor. Elas contam que, com o dinheiro da premiação, pretendem comprar um barco a motor e um freezer para o projeto.
2º Lugar – Associação Comunitária dos Produtores Panelinhenses (Miravania/MG)
Por meio da colheita de frutas e da produção artesanal de alimentos como sucos, queijo e doces, a associação de dez mulheres fortalece a economia local e contribui para reduzir a insegurança alimentar de dezenas de famílias. Além da oportunidade da geração de renda, o empreendimento incentiva mudança de hábitos alimentares e promove práticas sustentáveis no reaproveitamento das sementes das frutas. “Fiquei muito surpresa. Nos inscrevemos com a ajuda de um amigo e da Emater, mas não esperava estar entre as vencedoras”, disse Marineide Alves Santos, de 41 anos. “Estamos nos sentindo uma celebridade. Há 15 dias, comentei que tinha o sonho de viajar de avião e hoje estou aqui e vim a Brasília de avião pelo projeto. Estou muito feliz”, comemorou Raimunda Pereira Nascimento, de 60 anos, ambas trabalhadoras da associação.
3º Lugar – Associação das Mulheres da Terra (Terenos/MS)
Com olhar inovador para a realidade do desperdício de alimentos durante a pandemia, o grupo de 30 mulheres se uniu para discutir as possibilidades de transformar o desperdício de frutas, legumes e verduras que acontece no hortifrúti em oportunidade. A iniciativa virou fonte de renda para as mulheres engajadas no projeto e hoje conta com a participação de 20 famílias que trabalham para o reaproveitamento de alimentos. “O valor que recebemos é importante para o projeto, mas ainda mais importante é o reconhecimento que pode chegar a ser internacional”, constatou Dalvina Helena Souza, de 59 anos. “A visibilidade é o que nos causa mais emoção”, completou Cleonilda Rodrigues, de 50 anos. Elas contaram que pretendem usar o dinheiro do prêmio para adquirir um ar condicionado para o local de trabalho e investir em serviço social.
Menções – Sete coletivos finalistas receberam uma menção especial e terão direito a um curso, na modalidade ensino à distância, voltado para o empoderamento pessoal e econômico das mulheres rurais – por parte da OEI, um certificado de reconhecimento internacional e publicações técnicas das instituições promotoras relacionadas às questões de gênero, igual que todas as iniciativas válidas apresentadas.
Os coletivos são os seguintes: Rede Mães do Mangue (PA), Guardiãs do Cacau (PA), Sacolas Camponesas (PR), Mulheres do GAU – Agricultura e Culinária Orgânica (SP), Empório da Chaya (RJ) Mulheres quilombolas: luta e resistência no Quilombo Peropava (SP), Produção Artesanal de Azeite de Babaçu: Grupo de Mulheres e Extrativistas de Centro do Coroatá (MA).
A cerimônia de premiação contou com a moderação da jornalista e militante feminista Mara Régia, que chegou a ser indicada ao Nobel da Paz em 2005. Ela é produtora e apresentadora do tradicional programa Viva Maria, da Rádio Nacional, transmitido há 40 anos para nove estados da Amazônia Legal.
Parcerias – O concurso contou com apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), da Organização dos Estados Ibero – Americanos (OEI), do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), do Serviço Social do Comércio (Sesc) e da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer) e da Rural Commerce, e com o patrocínio das empresas espanholas Acciona, Indra, Mapfre, Josep Llorens e Cmr Fruits.
Fonte: ONU Brasil