Países com uma alta cobertura vacinal estão adotando uma retórica perigosa de que a pandemia acabou ou que está perto do fim, mas como dizer isso quando ainda ocorrem cerca de 70 mil mortes por Covid-19 no mundo em uma semana? O alerta vem da diretora geral adjunta para Medicamentos e Produtos Farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS), a brasileira Mariângela Batista Galvão Simão. Nos Seminários Avançados em Saúde Global e Diplomacia da Saúde, do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), Mariângela destacou que é possível, sim, acabar com a fase aguda da epidemia este ano – uma situação bem diferente daquela de 2020.
“Isso porque hoje temos ferramentas e know-how que não tínhamos antes, mas não vai acontecer se tivermos complacência”, declarou. “Esta é uma doença prevenível, porque agora temos vacinas, e tratável, porque alguns medicamentos impedem o agravamento da doença”.
O seminário realizado no dia 23 de fevereiro teve como tema a Agenda da Saúde Global: Perspectivas para 2022. Mediado por Luiz Augusto Galvão, pesquisador sênior do Cris/Fiocruz e membro da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030), o evento focou mais na saúde pública e contou ainda com as participações do médico armênio Haik Nikogosian, membro do Global Health Centre e do Graduate Institute de Genebra, e Luís Eugenio de Sousa, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente eleito da Federação Mundial de Associações de Saúde Pública (WFPHA).
Escolhas políticas
A pandemia tornou ainda mais evidente a inequidade no acesso à saúde, disse Mariângela Simões. A meta da OMS para considerar o fim da pandemia era quando 70% da população mundial estivessem vacinados. No entanto, enquanto alguns países já falam na quarta dose, apenas 13% da população africana receberam a primeira. “Há a necessidade de fortalecer os mecanismos globais, como Covax, que continua sendo a única fonte de vacinas para 40 países”, destacou a diretora adjunta.
Mariângela defendeu o fortalecimento da arquitetura global da saúde, para que o mundo esteja preparado para prevenção, preparação e resposta a pandemias. Ela citou três pilares para isso: um sistema de governança mais forte, já que esta epidemia de Covid-19 foi marcada por uma incoerência nas políticas públicas; um sistema mais robusto de resposta; e o fortalecimento do sistema de financiamento tanto da saúde pública quanto da OMS.
“O diretor geral Tedros [Adhanom Ghebreyesus, da OMS] disse que acabar com a pandemia em 2022 não é questão de sorte, é questão de escolha. Acrescento que esse tipo de escolha é sempre política. Essa pandemia não vai acabar país por país. A decisão política de quando isso termina tem que ser baseada na evidência científica”, ressaltou.
No webinário, coube a Haik Nikogosian abordar as perspectivas para o Tratado Global sobre Pandemias. No final do ano passado, os Estados membros da OMS concordaram em negociar a formulação de um acordo internacional para o controle de futuras pandemias. A OMS definiu prazos, e espera-se que pelo menos os elementos chave do futuro acordo sejam definidos ainda em 2022, avançando na parte mais técnica, sendo os próximos dois anos mais centrados em processos diplomáticos sobre os temas – “algo mais político”, segundo Nikogosian. A ideia é que o tratado entre em vigor em 2024.
“Há duas perguntas importantes: o que esse tratado vai trazer que vá além da Carta da OMS e como ele vai se relacionar com a carta da OMS? A menos que essas perguntas sejam respondidas este ano, isso poderá afetar as negociações futuras”, analisou. Ele lembrou ainda que é preciso estabelecer regras para que o tratado não se choque com o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) e que este não interfira no tratado. Em sua opinião, o RSI deveria fazer o possível para que uma epidemia se transforme em pandemia, mas, se isso ocorrer, o tratado entraria então em ação.
Entre as vantagens do tratado está atrair a atenção de governantes, mas Nikogosian lembrou que o acordo precisa se traduzir em leis nacionais, dependendo da aprovação interna de cada país.
Mobilizar a sociedade civil
Presidente eleito da Federação Mundial de Associações de Saúde Pública, Luís Eugenio de Sousa falou também pelo Movimento por Equidade Sustentável em Saúde (SHEM) e trouxe a perspectiva das entidades da sociedade civil. Ele lembrou que na época do surto de ebola, as Nações Unidas já haviam pedido para o mundo se preparar para futuras pandemias. “Isso mostra que estamos atrasados numa agenda de fortalecimento da preparação e respostas para pandemias”, disse.
Sousa defendeu três aspectos centrais para a Agenda da Saúde em 2022: acesso equitativo às vacinas; adoção de instrumentos e ferramentas de governança global que sejam mais efetivas, com o fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde; e o reconhecimento do caráter sindêmico da Covid-19, com um conjunto amplo de ações em diferentes planos.
“É preciso democratizar a sociedade. Fazer com que os mecanismos de representação se associem a mecanismos de participação para que tenhamos governos, nos campos Executivo, Legislativo e Judiciário, mais sintonizados com os anseios e as necessidades da população”, destacou.
Assista o Seminário:
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias