Os quilombolas constituem parte das minorias étnico-raciais do país. Um artigo com a participação do pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) James R. Welch, ao avaliar o estado nutricional e déficit estatural de crianças quilombolas do Nordeste, constatou que essa população apresenta condições de saúde desfavoráveis, reflexo de um processo histórico de grandes desvantagens socioeconômicas, como falta de acesso à atenção básica e precárias condições de saneamento.
No entanto, uma acelerada transição alimentar e nutricional ocorreu nas últimas décadas no Brasil, resultando em um aumento das frequências de sobrepeso e obesidade e na redução da prevalência de desnutrição, especialmente na população infantil. Mas, as mudanças no perfil de saúde que acompanharam a transição nutricional não atingiram a população brasileira uniformemente. Minorias étnico-raciais continuam a apresentar desvantagens socioeconômicas que se refletem em perfis de morbidade menos satisfatórios, principalmente em relação a agravos nutricionais, a exemplo dos quilombolas, que vivem em situações particularmente pronunciadas de exclusão social.
Conforme descreve o artigo Estado nutricional e fatores associados ao déficit estatural em crianças menores de cinco anos de comunidades remanescentes de quilombos do Nordeste brasileiro, as origens da população quilombola estão relacionadas ao período escravocrata, quando as primeiras comunidades foram formadas como estratégia de resistência e busca de autonomia. Reconhecidos na Constituição Federal como remanescentes das comunidades dos quilombos, formam um segmento da população brasileira que possui sua própria identidade territorial e étnica, relacionada a aspectos históricos e sociopolíticos que pautaram a luta por reconhecimento. O artigo explica que os processos de exclusão e discriminação impactam negativamente nas condições socioeconômicas, levando a menor acesso à educação e, consequentemente, ao mercado de trabalho e à habitação, o que se reflete em piores perfis de saúde em comparação aos da população geral.
“Até 2016, 1.525 terras quilombolas encontravam-se em processo de titulação e apenas 165 eram tituladas (as quais dão origem a 169 comunidades), sendo a maioria localizada em áreas rurais ou periféricas do Nordeste (58,4%). A predominância dessas comunidades na zona rural se deve aos fatos de que, no período escravocrata, quando muitos quilombos foram formados, havia a necessidade de isolamento para fins de proteção e de que a subsistência se baseava na pesca e agricultura. Após a Abolição, os quilombos passaram a receber ex-escravos, os quais encontravam nessas comunidades a única alternativa para viver mais dignamente”.
Segundo o estudo, têm sido reportadas condições precárias de habitação, saneamento, acesso limitado aos serviços de saúde, baixa escolaridade, obesidade abdominal em adultos, entre outras situações. “Em crianças, também são comumente registradas elevadas prevalências de anemia, enteroparasitoses, diarreia e desnutrição, em um cenário que contribui para grave insegurança alimentar”.
Dentre os agravos nutricionais na infância, acrescentam os autores, a desnutrição crônica, identificada pelo déficit estatural, tem sido a condição mais observada em minorias étnico-raciais. “No contexto brasileiro, o Nordeste tem apresentado historicamente frequências mais elevadas de agravos nutricionais na infância, principalmente de baixa estatura-para-idade, o que caracteriza o efeito cumulativo de precárias condições de nutrição e saúde ao longo do tempo. Porém, não se tem um panorama da situação nutricional de crianças quilombolas para a macrorregião como um todo, tampouco foram investigados os fatores associados”.
Os pesquisadores utilizaram-se dados secundários provenientes da Pesquisa de Avaliação da Situação de Segurança Alimentar e Nutricional em Comunidades Quilombolas Tituladas (2011). O artigo avalia o estado nutricional e fatores associados ao déficit estatural em 972 crianças quilombolas menores de cinco anos. Os desfechos de interesse foram o déficit estatural (estatura-para-idade < -2z), excesso de peso (peso-para-estatura > 2z) e o déficit ponderal (peso-para-idade < -2z). As prevalências de excesso de peso e déficit ponderal foram 2,8% e 6,1%, respectivamente. O déficit estatural foi diagnosticado em 14,1% da amostra. O modelo hierárquico de déficit estatural evidenciou maiores prevalências do agravo entre crianças que não tinham acesso à atenção básica (RP = 1,63; IC95%: 1,11; 2,41), à água tratada (RP = 2,09; IC95%: 1,42; 3,08) e que nasceram com baixo peso (RP = 2,19; IC95%: 1,33; 3,61).
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias