Cientistas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) realizaram um estudo pioneiro para analisar os níveis de poluição do ar em transportes marítimos, terrestre, aéreos e subterrâneos, além de modais ativos (não-motorizados) de seis cidades do Brasil: Curitiba, São Paulo Londrina (PR), Rio de Janeiro, Ilha do Mel (administrada pelo município de Paranaguá) e Pontal do Sul (PR). Os resultados da pesquisa, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), indicaram que usuários de barcos urbanos são os mais expostos a elevadas concentrações de partículas ultrafinas e finas durante suas viagens.
Partículas finas, também conhecidas como PM2.5, são aquelas com diâmetro inferior a 2,5 milionésimos de metro, enquanto ultrafinas possuem diâmetro inferior a 100 nanômetros (nm). Mas o estudo também focou no monitoramento de outros materiais particulados, como, por exemplo, black carbon (comumente chamado de fuligem), compostos orgânicos voláteis (COVs) e ozônio, dado os efeitos negativos e imediatos que esses poluentes podem ter sobre a saúde humana.
De acordo com o professor Admir Créso Targino, coordenador do estudo e bolsista de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT) do CNPq, o fato de usuários de barcos urbanos estarem mais expostos a partículas ultrafinas e finas pode ser parcialmente atribuído à baixa qualidade do diesel usado nesse modal. Ele explica que esse resultado era, de alguma forma, esperado, devido à qualidade do diesel, mas nunca realmente havia sido quantificado com medições in situ no Brasil.
“A qualidade do diesel marítimo é inferior ao diesel de veículos urbanos. No Brasil, usa-se o diesel S-500 e S-10, com teor de enxofre máximo de 500 mg/kg e 10 mg/kg, respectivamente. No caso das embarcações, alguns barcos usam o diesel rodoviário S-500, e outros usam o diesel marítimo, com teor de enxofre máximo de 5000 mg/kg.O diesel S-5000 é um combustível mais poluente, que gera mais partículas na combustão”, explica.
Outro aspecto que deve ser considerado, para compreender esse resultado, é a idade e a manutenção dos motores. “Alguns barcos em operação entre Pontal do Sul e a Ilha do Mel têm até 30 anos de vida. A emissão de fumaça preta era evidente durante a navegação, mas principalmente nas manobras para atracar”, acrescenta.
Targino salienta que, embora a população urbana passe apenas entre 7% e 10% do seu tempo diário em transportes motorizados, a quantidade de poluentes atmosféricos inalada pode corresponder a até 20% do total diário, devido às altas concentrações de material particulado nesses ambientes.
Segundo o pesquisador, foram medidos os níveis de poluentes atmosféricos em ônibus do transporte público, em ciclovias, metrô, barcos, aviões comerciais e em diferentes ambientes de trabalho, em cidades pequenas, de porte médio, até a megacidade de São Paulo. Participaram do estudo pesquisadores da UTFPR (unidade executora) e Universidade Federal de Itajubáno Brasil, além da Dalhousie University (Canadá), SMHI0 Swedish Meteorological and Hydrological Institute (Suécia). “Na Nova Zelândia, tivemos um bolsista de pós-doutorado, contratado pela chamada de Bolsista de Jovens Talentos, projeto do qual eu também fui coordenador”.
Pioneirismo
A exposição da população aos poluentes comumente é estimada através das concentrações medidas em estações de monitoramento fixas, que são extrapoladas para outras áreas da cidade. Porém, o grupo adotou uma estratégia pioneira no Brasil, utilizando instrumentos portáteis instalados dentro de meios de transportes ou carregados por pessoas que levavam os sensores no seu dia a dia, durante o período de estudo.
Se os usuários de barcos urbanos são mais expostos a elevadas concentrações o de partículas ultrafinas e MP2.5, em termos de transporte público de superfície, a cidade de Curitiba foi a que obteve os piores resultados com relação às concentrações de black carbon e também MP2.5, o que, segundo Targino, pode estar relacionado à frota de ônibus local, a mais antiga entre as cidades estudadas, com uma considerável fração de ônibus com tecnologia P4 e P5.
“Como os ônibus estudados eram do sistema BRT, que usam corredores dedicados e com poucas paradas, a velocidade de circulação era maior do que a de ônibus típicos urbanos. Dessa forma a resuspensão e partículas causou um aumento de MP2.5”, afirma Targino, acrescentando que, em São Paulo, por exemplo, os ônibus apresentaram as maiores concentrações de partículas ultrafina, com valores extremos na saída do túnel do Anhangabaú/próximo ao terminal Bandeira, e no cânion urbano da Av. Duque de Caxias, áreas possuem um alto fluxo de ônibus.
“Cabe lembrar que em todas as cidades fizemos medições dentro dos ônibus, no entanto, vários processos transportam poluição da rua para dentro do ônibus, fazendo que os passageiros sejam expostos a níveis altos de poluentes atmosféricos”, acrescenta o pesquisador.
Compostos voláteis
Já as concentrações de COVs foram até oito vezes maiores em uma sapataria, salão de beleza e ônibus urbano comparado com um ambiente de referência (um escritório administrativo sem fontes locais de VOC), enfatizando a necessidade de um maior controle de práticas relacionadas à segurança de trabalho.
“O nosso analisador de VOC não permitiu a especiação dos compostos, apenas o VOC total. No entanto, as pessoas nesses locais mantiveram um diário de atividades e conseguimos cruzar os picos de concentrações com as atividades desenvolvidas. Por exemplo, na sapataria observamos que os valores de VOC subiram cada vez que o sapateiro relatava consertos usando cola. No salão de beleza, os valores de VOC subiram com a realização de processos de alisamento e trabalho de manicure/pedicure”, explica Targino.
“Momento oportuno”
A pesquisa, que durou quatro anos, resultou no trabalho On land, air and sea: An overview of fine particle concentrations in motorised transport modes in Brazilian cities, premiado na 15th International Conference on Urban Health, realizada em Kampala, Uganda, em novembro. Os dados coletados foram objetos de seis dissertações de mestrado, um projeto de pós-doutorado, e de dez trabalhos de iniciação científica.
O estudo foi financiado pelo CNPq, por meio de duas chamadas: a Nº 37/2013 – MCTI/CNPq/CT-AGRO/CT-SAÚDE/CT-HIDRO – Mudanças Climáticas e a Chamada de Projetos MEC/MCTI/CAPES/CNPQ/FAPS Bolsa Atração de Jovens Talentos – BJT 2014.
Para Targino, essas chamadas ocorreram em um momento oportuno no qual o Brasil precisava de incentivos para avançar em pesquisas sobre o efeito das mudanças climáticas na área de saúde, seguindo a agenda científica adotada por vários países. Ele destaca, especificamente, a elaboração do Plano Setorial da Saúde de Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (PSMC-Saúde), determinado por meio do Decreto n. 7.390, de 9 de dezembro de 2010.
“[Esse Decreto] enfatizou a necessidade de identificar exposições específicas atribuídas direta ou indiretamente às mudanças climáticas, passíveis de serem associadas com a saúde humana, incluindo a exposição a poluentes ambientais tóxicos, tais como poluentes orgânicos persistentes, metais e pesticidas. O momento foi muito oportuno para o Brasil”, concluiu.
Fonte: CNPq