O plástico descartável está presente em quase todos os aspectos da nossa vida: desde o copo de café que você compra para beber a caminho do trabalho ao canudo para tomar água de coco – sem contar nas fibras dos lenços umedecidos e nos fragmentos de glitter da maquiagem.
Das 6,3 bilhões de toneladas de plástico que jogamos fora desde o início da produção em massa do material na década de 1950, apenas 600 milhões de toneladas foram recicladas – e 4,9 bilhões de toneladas foram enviadas para aterros sanitários ou descartadas no meio ambiente.
Embora a conscientização sobre o impacto negativo que o plástico pode ter no meio ambiente tenha aumentado nos últimos anos, só agora alternativas ecológicas estão ganhando força.
À medida que a proibição de sacolas plásticas descartáveis se espalha pelo mundo, novos materiais se tornam cada vez mais importantes. Mas será que eles são tão bons quanto dizem?
Os plásticos biodegradáveis estão se tornando um substituto popular, uma vez que os consumidores exigem cada vez mais alternativas ecológicas.
Em vez de levar centenas de anos para se decompor – atributo pelo qual o plástico era valorizado quando começamos a usá-lo – o plástico biodegradável pode ser decomposto por micróbios e convertidos em biomassa, água e dióxido de carbono (ou na ausência de oxigênio, metano, em vez de CO2).
Uma parte deles é compostável, o que significa que não apenas é decomposto por micróbios, como também pode ser transformado – juntamente com alimentos e outros resíduos orgânicos – em adubo.
No entanto, somente uma pequena parte desses plásticos é apta à compostagem doméstica; portanto, quando o rótulo diz “compostável” geralmente significa compostagem industrial. Ou seja, aquele copo de café que você comprou com o logotipo de biodegradável não vai se decompor muito rapidamente, se é que vai se decompor, na pilha de compostos orgânicos da sua casa, mas certamente vai se decompor dentro do equipamento industrial apropriado.
Há um padrão europeu para embalagens compostáveis: EN 13432. A certificação prevê que a embalagem se decomponha em condições de compostagem industrial em 12 semanas, deixando não mais de 10% do material original em fragmentos maiores que 2mm, sem prejudicar o solo por meio de metais pesados ou deteriorando sua estrutura.
A maioria dos plásticos biodegradáveis e compostáveis são bioplásticos, feitos de plantas, em vez de combustíveis fósseis. Dependendo do uso, há muitas opções para escolher.
A professora de biotecnologia Izabela Radecka, da Universidade de Wolverhampton, no Reino Unido, e seus colegas estão produzindo um tipo de bioplástico chamado polihidroxialcanoatos (PHAs). Ou melhor, estão fazendo com que micróbios produzam este material para eles.
“Quando estão sob estresse, esses micróbios produzem grânulos dentro das células, e esses grânulos são biopolímeros”, explica.
“Quando você os extrai da célula, eles apresentam propriedades semelhantes às dos plásticos sintéticos, mas são totalmente biodegradáveis.”
A princípio, Radecka oferecia óleo de cozinha usado aos micróbios para produzir PHAs, mas nos últimos anos começou a investigar como resíduos plásticos, como o poliestireno, podem ser transformados em um novo tipo de plástico biodegradável.
Segundo ela, é preferível usar este método, uma vez que poupa as plantas que podem ser usadas como alimento e, ao mesmo tempo, utiliza os resíduos plásticos.
Atualmente, os PHAs representam cerca de 5% dos plásticos biodegradáveis no mundo. Cerca de metade dos plásticos biodegradáveis são feitos a partir de misturas de amido. E o ácido polilático (PLA), normalmente usado em copos e tampas de copo de café, corresponde a um quarto.
Mas, embora a maioria desses bioplásticos demande compostagem industrial para ser decomposto após ser descartado, estamos longe de garantir que isso aconteça.
Dado o histórico da humanidade, faz sentido se perguntar o que acontece se eles forem parar onde não deveriam.
O problema dos rótulos
Para testar como os diferentes tipos de sacolas plásticas se saem em ambientes distintos, Imogen Napper, da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, coletou sacolas com várias indicações de biodegradabilidade e colocou em três ambientes naturais diferentes durante um período de três anos: enterradas no solo, na água do mar, e penduradas ao ar livre.
Ela testou sacolas rotuladas como biodegradáveis, compostáveis e oxibiodegradáveis, assim como sacolas convencionais de polietileno de alta densidade (HDPE). (A Comissão Europeia recomendou recentemente a proibição de plásticos oxibiodegradáveis, devido ao receio de que se decomponham em microplásticos.)
No experimento de Napper, a sacola rotulada como “compostável” (que afirmava estar em conformidade com a norma EN 13432) desapareceu completamente dentro de três meses quando foi deixada na água do mar. No solo, permaneceu intacta por dois anos, mas se desintegrou quando os pesquisadores encheram ela de compras.
O restante das sacolas – incluindo a rotulada como “biodegradável” – ainda estava presente tanto no solo, quanto na água do mar após três anos. E podiam ser usadas até para carregar compras.
Depois de nove meses ao ar livre, todas as sacolas haviam se desintegrado ou estavam começando a se desfazer – sobretudo, se decompondo em microplásticos.
Isso acontece porque a luz do sol ajuda a degradar o plástico por meio de um processo chamado foto-oxidação, no qual o plástico se torna desgastado e quebradiço, e acaba se fragmentando, em vez de decompor seus compostos orgânicos.
“Na verdade, isso não significa que estão se decompondo em carbono e hidrogênio, quer dizer apenas que estão se tornando pedaços menores”, explica Napper.
“O que poderíamos dizer que é mais problemático, uma vez que é impossível de limpar – é como tentar pegar m&ms com pauzinhos.”
É claro que até mesmo a sacola compostável testada no experimento de Napper não foi desenvolvida para se decompor no mar ou no solo.
Mas, segundo ela, o fato de que precisam ser compostadas industrialmente não vem explicado adequadamente nas sacolas. E isso faz com que os consumidores fiquem tentando adivinhar as propriedades das mesmas e, mais importante, o que devem fazer com elas após o uso.
“As pessoas precisam estar cientes de que colocar para reciclagem, tentar fazer a compostagem ou jogar na lixeira de resíduos em geral não necessariamente levará aos resultados que estão sendo anunciados”, diz Napper.
Uma empresa que investiga como seus próprios produtos se decompõem em um ambiente marinho é a Novamont, que produz o Mater-Bi – plástico à base de amido usado nas sacolas compostáveis lançadas pela rede de supermercados Co-op no ano passado.
Um relatório da companhia – realizado em parceria com a Hydra, instituto de pesquisa marinha alemão, e a Universidade de Siena, na Itália – mostrou que o produto se biodegrada totalmente na água do mar em uma escala de tempo de quatro meses a um ano, sem deixar resíduos tóxicos.
Mas Francesco Delgi Inoccenti, responsável pela qualidade ecológica dos produtos da Novamont, diz que a empresa não tem planos de anunciar esse tipo de atributo ao comercializar plástico, porque não quer incentivar a produção de lixo.
Em vez disso, os testes funcionam como uma apólice de seguro, caso seus produtos acabem em algum lugar onde não deveriam.
“Não será uma alegação comercial, porque as pessoas podem realmente entender mal o significado disso”, diz ele.
Embora plásticos finos compostáveis, como sacolas plásticas, possam se decompor no oceano, é esperado que o PLA mais espesso e robusto – usado para fazer copos descartáveis, canudos e outras embalagens de alimentos – aja como o plástico tradicional na água do mar, e simplesmente não se decomponha.
Então será que as empresas estão adotando plásticos biodegradáveis que podem não se decompor no mar como uma jogada de marketing, o chamado greenwashing?
Não necessariamente. Esses plásticos podem não resolver o problema da poluição dos oceanos, mas são adequados para enfrentar outra questão ambiental importante: o desperdício de alimentos.
Limpando nossas ações
A área em que os plásticos compostáveis têm maior potencial de impacto é na indústria de alimentação. De copos a embalagens de sanduíches e recipientes para levar comida para viagem, colocar alimentos em plásticos compostáveis significa – em um mundo ideal, pelo menos – que o plástico e qualquer resto de comida grudado nele podem ser compostados juntos.
É uma vitória tripla: reduz a quantidade de plástico enviado aos aterros sanitários, impede que a reciclagem seja contaminada com alimentos e, ao mesmo tempo, garante que os alimentos desperdiçados sejam devolvidos ao solo, e não deixados para apodrecer nos aterros sanitários, onde vão liberar metano.
David Newman, diretor da Associação das Indústrias Biodegradáveis e de Base Biológica (BBIA), acredita que idealmente tudo – desde saquinhos de chá a etiquetas de frutas e sachês de condimentos – deveria ser compostável por lei, de modo que cada vez mais as sobras de alimentos e o plástico que os acompanha possam ser processados ao mesmo tempo.
Ao reduzir a quantidade de plástico convencional que contamina o descarte de alimentos, podemos pelo menos garantir que parte da comida jogada fora seja por fim usada como adubo, em vez de acabar em aterros sanitários ou sendo incinerada.
Há ainda outros usos para os plásticos biodegradáveis.
Tradicionalmente, os agricultores usam um filme plástico, à base de polietileno, conhecido como “mulching”, para cobrir o solo das lavouras, impedindo o crescimento de ervas daninhas e economizando água – cerca da metade desse plástico acaba em aterros sanitários após ser usado.
Mas desde 2018, um novo padrão europeu de biodegradabilidade para essas coberturas prevê que os agricultores podem ter acesso a um plástico que não precisa ser removido após a colheita, uma vez que vai se decompor e não danificará o solo.
A indústria também está começando a usar biolubrificantes para manter maquinários funcionando, em vez de produtos à base de combustíveis fósseis.
“Cada vez mais, eles são de origem vegetal”, diz Newman.
“Se vazar, e todos os óleos de máquina em algum momento acabam vazando, não vai danificar o meio ambiente.”
Mas, embora o “mulching” e os óleos sejam capazes de se decompor no meio ambiente, sabemos que a maioria das embalagens de alimentos não pode. Como garantir então que as embalagens compostáveis sejam de fato compostadas?
Desmistificando o processo
Primeiro, precisamos resolver o problema de imagem do plástico.
Newman acredita que a mensagem não deveria ser: “Vamos acabar com a poluição por plástico usando plástico compostável”. E, sim: “Vamos ajudar a melhorar a qualidade do solo de maneira sustentável no longo prazo usando plástico compostável”.
“Ah, por falar nisso, podemos reduzir algumas embalagens de plástico também”, acrescenta.
Ele admite, no entanto, que a indústria precisa desmistificar como os consumidores devem lidar com os plásticos compostáveis para que dê certo.
Um sistema de rótulos mais claro, semelhante ao modo como a reciclagem é sinalizada nas embalagens de alimentos, está em andamento, mas levará alguns anos para ser implementado, segundo ele.
“Enquanto isso, é claro que uma grande quantidade de plástico compostável vai ser incinerada, e muito plástico convencional vai acabar parando em usinas de compostagem. É assim que vai ser nos próximos dois ou três anos.”
Atualmente, o sistema de resíduos do Reino Unido não está preparado para lidar com compostagens, pelo menos a nível doméstico.
Embora existam instalações de compostagem capazes de processar talheres, copos e outros utensílios compostáveis, as autoridades locais não costumam coletar esses itens; então, os consumidores ficam sem opção a não ser descartá-los no lixo comum, que vai para os aterros sanitários ou é incinerado.
Algumas autoridades locais aceitam sacos de lixo para compostagem se foram usados para coletar restos de comida, mas em algumas usinas essas sacolas são removidas dos resíduos de alimentos antes de serem compostadas.
Se descobrirmos como processar adequadamente esses resíduos, os plásticos compostáveis podem ajudar também na reciclagem do plástico convencional.
Ao separar os restos de alimentos e as embalagens compostáveis associadas a eles, o lixo para reciclagem é mantido longe de borras de café e saquinhos de chá, por exemplo, evitando o risco de contaminação.
“Quando você mistura a comida com todo o resto, como acontece hoje no Reino Unido, tudo fica difícil de reciclar”, diz Newman.
O progresso feito por países como a Itália – que proibiu a distribuição de sacolas plásticas não biodegradáveis, e onde as mesmas podem ser recicladas como parte da ampla coleta de resíduos de alimentos – mostra que há possíveis soluções à vista.
“Se o descarte de alimentos é feito corretamente, como ocorre em vários países, todo o resto se torna mais fácil de reciclar”, explica Newman.
O desafio é colocar todas as peças do quebra-cabeça no lugar.
Fonte: BBC Brasil