Nove meses após o início da pandemia no Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) alerta que a situação de crianças e adolescentes se agravou, particularmente, entre as famílias mais pobres.
A segunda rodada da pesquisa ‘Impactos Primários e Secundários da COVID-19 em Crianças e Adolescentes’, lançada nesta sexta-feira (11) pelo UNICEF, mostrou que as famílias morando com pessoas menores de 18 anos estão sofrendo cada vez mais os impactos econômicos e sociais da crise sanitária. Isso impacta, especialmente, os mais vulneráveis.
Segundo a pesquisa, a renda das famílias com crianças e adolescentes caiu; aumentou o número de famílias que não conseguiram se alimentar adequadamente porque a comida acabou e não havia dinheiro para comprar mais; menos estudantes tiveram acesso a atividades escolares; e há um receio das famílias de deixar que os filhos e filhas retornem à escola de forma presencial.
Acesse a primeira etapa da pesquisa aqui e a segunda, aqui.
“A pandemia tem atingido crianças e adolescentes desproporcionalmente, sobretudo, aqueles que vivem nas famílias mais pobres. A queda da renda familiar, a insegurança alimentar e, praticamente, um ano de afastamento das salas de aulas terão impactos duradouros na vida de meninas e meninos”, disse a representante do UNICEF no Brasil, Florence Bauer.
“É fundamental a criação e o fortalecimento de políticas públicas que apoiem as famílias mais vulneráveis para superar os impactos da pandemia. Se nada for feito, o Brasil corre o risco de um aumento ainda mais forte das desigualdades que já existiam antes da pandemia, afetando particularmente crianças, adolescentes e suas famílias”, alertou.
Renda familiar na pandemia
A maioria das famílias teve queda na renda. A pesquisa aponta que 55% dos entrevistados declararam que o rendimento de seu domicílio diminuiu desde o início da pandemia, estima-se que eles representem cerca de 86 milhões de brasileiros. Entre as pessoas que residem com crianças ou adolescentes, 61% declararam que a renda da família diminuiu. Os impactos dessa queda são, particularmente, maiores nas famílias mais pobres. Dos entrevistados com renda de até um salário mínimo, 69% afirmaram que tiveram cortes em sua renda. Entre eles, 15% afirmaram ter perdido toda a fonte de renda.
Insegurança alimentar
A insegurança alimentar tornou-se uma preocupação ainda maior no Brasil. De julho a novembro, o percentual de respondentes que declararam que deixaram de comer porque não havia dinheiro para comprar mais comida passou de 6% para 13%. Isso é ainda mais grave entre pessoas de classe D e E, em que 30% deixaram de comer em algum momento porque não havia dinheiro para comprar mais comida.
A situação se torna ainda mais preocupante quando se fala em crianças e adolescentes. Segundo a pesquisa, 8% dos entrevistados que moram com pessoas menores de 18 anos declararam que as crianças e os adolescentes do domicílio deixaram de comer por falta de dinheiro para comprar alimentos. Entre aqueles de classe D e E, a proporção chega a 21%.
A pesquisa mostrou que a redução da renda das famílias está impactando cada vez mais na alimentação de crianças e adolescentes, Na pesquisa de julho, o índice ficou em 49%. Os entrevistados declararam um aumento do consumo de alimentos industrializados e refrigerantes, pobres em nutrientes e ricos em gorduras, sódio e açúcares. O aumento no consumo desses tipos de alimentos segue maior entre residentes com crianças e adolescentes.
“É extremamente preocupante o cenário de insegurança alimentar que a pandemia traz para crianças e adolescentes. Uma família que não consegue alimentar adequadamente suas crianças está vivendo na mais absoluta privação de direitos. É urgente o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas à parcela mais pobre. Elas, muitas vezes, vivem em situações de tamanha exclusão que não conseguem ter acesso aos programas sociais de distribuição de renda”, disse a representante do UNICEF no Brasil.
A piora da situação da alimentação também se reflete no papel importante da merenda escolar. Entre as famílias que recebem até um salário mínimo, 42% deixaram de ter acesso à merenda escolar na pandemia, fundamental para garantir a segurança alimentar de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade.
Educação – Fora da escola, não pode
O fechamento das escolas por um longo período tem sido uma grande preocupação para o UNICEF. A pesquisa mostra hesitação das famílias de que suas crianças voltem a frequentar as salas de aula presencialmente. Enquanto 9% dos entrevistados declararam que as escolas de crianças e adolescentes residentes no domicílio reabriu, somente 3% declararam que algum deles voltou a frequentar a escola. Da mesma forma, apenas 15% dos entrevistados disseram que as crianças e os adolescentes voltarão às salas de aulas assim que a escola reabrir.
A preocupação com o direito à educação aumenta uma vez que a proporção dos residentes com crianças ou adolescentes que continuam com atividades escolares em casa e receberam atividades nos cinco dias da semana anterior à pesquisa diminuiu de 63% em julho para 52% em novembro. Além disso, 13% das famílias responderam que crianças e adolescentes não haviam recebido atividades escolares na semana anterior à pesquisa. Isso corresponde a 7 milhões de meninas e meninos.
“O longo tempo de fechamento de escolas e o isolamento social têm impactado profundamente a aprendizagem, a saúde mental e a proteção de crianças e adolescentes. O UNICEF pede urgência aos novos governantes municipais para a reabertura de escolas com segurança e a implementação de políticas para garantir o direito à educação, olhando especialmente para as crianças e os adolescentes mais vulneráveis, que foram mais duramente impactados pelos efeitos da pandemia no país”, afirmou Florence Bauer.
Saúde mental de adolescentes
Todos esses desafios afetaram a saúde mental de crianças e adolescentes. Segundo a pesquisa, 27% dos respondentes relataram que adolescentes no domicílio apresentaram insônia ou excesso de sono. Além disso, 29% relataram que os adolescentes tiveram alteração no apetite e 28% disseram que os adolescentes tiveram diminuição do interesse em atividades rotineiras. No total, 54% das famílias relataram que algum adolescente do domicílio apresentou algum sintoma relacionado à saúde mental.
Sobre a pesquisa Os dados fazem parte da segunda etapa da pesquisa ‘Impactos Primários e Secundários da COVID-19 em Crianças e Adolescentes’, realizada pelo Ibope Inteligência para o UNICEF. Foram realizadas 1.516 entrevistas nas duas rodadas, organizadas de modo a ser representativas da população-alvo do estudo. As entrevistas dessa rodada foram realizadas por telefone de 29 de outubro a 13 de novembro. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.
A primeira etapa da pesquisa foi realizada de 3 a 18 de julho de 2020 e está disponível aqui.
Fonte: ONU Brasil